quinta-feira, 3 de maio de 2012

Mais uma vítima da guerra

CORIFEU - Em todas as grandes cidades há açores engaiolados com as tribos.

ALI - Sim, os velhos coxos ou os seus filhos nascidos na gaiola. Uma triste minoria. Ainda não há muito tempo, a minha mãe ofereceu-me um açorzinho amarrado à pata. Tinha bastante campo de manobra. Quando um dia eu tentava amarrá-lo a uma árvore fez uma tal algazarra e foi tão esperto que, se eu não largasse a corda, ele morria estrangulado. Depois, tive que o libertar completamente porque onde estava não chegava à água (...) e a fúria durou-lhe todo o dia. Parava um instante, desfalecido, indignado, espantado como num pesadelo e quase imediatamente retomava a sua magnífica revolta. "Vai morrer, dizia a minha mãe, não vai comer à gamela." Evidentemente, libertei o pássaro e vi-o desaparecer no crepúsculo, não sem pena... (...) Qual não foi o meu espanto, no dia seguinte e nos outros, ao vê-lo às voltas nas paragens. A sua presença obstinada parecia convidar-me a partir em viagem. (...) Um dia dei-me conta que tinha deixado a minha mãe. De resto, ela vivia à lua, andava na magia. (...) Chegado à fronteira quis saber que país era aquele em que ia entrar pela primeira vez. "É o império do Magreb" responderam-me. Ainda nem barba tinha, deixaram-me entrar. "Mais uma vítima da guerra" diziam os funcionários e os soldados..."

Kateb Yacine
Tradução de Luís Varela e Christine Zurbach.